A Quaresma é o tempo em que a Igreja oferece aos seus fiéis para um aprofundamento da espiritualidade através dos exercícios da oração, do jejum e da esmola. Seguindo o exemplo de Jesus que se retirou para o deserto e lá deparou-se com várias tentações, fortalecendo-se para seguir seu caminho, assim cada cristão também é chamado a adentrar no deserto e buscar fortalecer sua vida de fé e de oração.

Usando a imagem de Jesus no deserto para estimular o tempo da quaresma, pode-se pensar várias características do deserto físico para construir a vivência espiritual. A primeira delas é que o deserto não possui muitas coisas, onde o único excesso que existe são os grãos de areia, proporcionando assim ter uma vista mais ampla do todo. Outra característica é a ausência de barulhos, permitindo ouvir os ventos correndo e passando pelas dunas de areia. e esta ausência de coisas também permite enxergar outras pessoas que ali existam.

Tais características do deserto podem ser aplicadas aos exercícios quaresmais como uma viagem ao deserto da interioridade do ser humano. Por não ser uma viagem fácil, pois não é só comprar uma passagem aérea e fazer as malas, mas sim em buscar entrar dentro de si próprio e organizar o que ali encontrar, cada cristão precisa se apegar a oração, não a uma oração corrida ou que seja feita por obrigação, mas sim uma oração dedicada, que exija tempo e concentração, momento propício para falar com Deus. Como em uma viagem aqui também é necessário planejar e organizar os tempos que serão utilizados e para isso pode-se construir um plano, colocando ali quais os momentos do dia serão reservados para vivenciar este deserto.

Ao conseguir encontrar tempo para este exercício, é preciso dar as características do deserto físico a vivência espiritual. Uma destas é a ausência de excessos, deixando somente aquilo que é próprio do local e para isso o jejum provoca a não buscar somente os prazeres e a autossatisfação. Quando o cristão se propõe a jejuar não deve ter em conta uma dieta para emagrecer ou deixar de comer algo durante os quarenta dias para depois no quadragésimo primeiro dia comer tudo o que deixou para trás, pois deve pensar que o jejum serve justamente para tirar os excessos que cegam e não permitem enxergar as necessidades dos outros e até mesmo as da própria pessoa. Quando alguém está em uma posição cômoda, não quer sair dali e isso gera o egoísmo que a impede de enxergar a si próprio, as suas debilidades e principalmente as necessidades dos outros. Jejuar ganha significado quando ajuda a tirar o excesso e auxilia a enxergar melhor tudo ao redor.

Tendo construído este caminho até aqui, viajando ao deserto e retirando os excessos, o cristão começará a ouvir melhor os ventos que correm pelas areias de sua vida e essa é a voz de Deus sussurrando ao coração dos seus filhos e isso é a oração, que deve ser a base de todas as ações no deserto. Essa voz também é a voz de muitos homens e mulheres, crianças, jovens e idosos, que clamam por ajuda, atenção, amor, coisas que lhes foram tiradas para que alguns poucos pudessem ter muito enquanto para eles sobra quase nada. Quando o cristão consegue ouvir a voz de Deus na oração e a voz dos seus irmãos no dia a dia, impelido pelo espírito e libertado dos excessos pela prática do jejum, ele chega à prática do amor demonstrado, da caridade e doa aquilo que possui para os que precisam, exercitando assim a esmola. Doar aos que necessitam é reconhece-los como irmãos e se assim o fizer estará praticando os mesmos gestos e atos de Jesus, reconhecendo não só o outro como irmão, mas também assumindo a filiação de Deus que como Pai.

Vivenciar a quaresma é fazer uma viagem para dentro de si e descobrir ali quais são as tentações que precisam ser enfrentadas, quais são as situações que precisam ser transformadas e principalmente, buscar a Deus em todas as coisas, em si, no outro e nas situações em que cada um está inserido. Assim como fez com Jesus, Deus tem um plano de salvação para cada homem e cada mulher e quer levar a todos para o caminho da ressurreição e para isso é preciso passar pelo deserto que fortifica e ajuda a dar sentido a missão de cada cristão.

Guilherme de Freitas, Salesiano de Dom Bosco em formação para o sacerdócio, estudante de filosofia.

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